Entrevista com a banda Headspawn
Que o nordeste brasileiro vem sendo um celeiro de grandes bandas de Rock e Metal nas últimas décadas é algo que ninguém pode negar, e o power trio paraibano Headspawn é um exemplo contundente dessa força criativa. Diretamente de João Pessoa, a banda tem se destacado como um dos maiores representantes do Groove Metal no Brasil, consolidando-se com lançamentos marcantes como os EPs Pretty Ugly People, Pretty Ugly People Live e o impactante e elogiado álbum de estreia, Parasites.
Com uma sonoridade agressiva, técnica apurada e letras carregadas de melancolia e crítica social, o Headspawn não apenas reforça o poder da cena nordestina, mas também apresenta uma identidade única, capaz de cativar fãs ao redor do mundo. Conversamos com o vocalista e guitarrista Alf Cantalice, que nos contou mais sobre a trajetória da banda, o processo criativo por trás de suas composições e os desafios de se destacar no cenário nacional e internacional. Confira a entrevista exclusiva para o Metal Na Lata!
Por Johnny Z.
Foto #1 por João Júnior (@joaojrvideoeditor)
Foto #2 por Renata Luna (@renatalunafoto)
Metal Na Lata: A banda praticamente foi criada durante a pandemia. Conte-nos como se deu o ‘start’ da Headspawn, e como foi moldada a sonoridade da banda para que não se tornasse mais uma banda dentro do cenário do Groove Metal.
Alf Cantalice: JP e eu tivemos a ideia de fazer uma banda que pudesse tocar tudo o que mais gostamos e partir disso as músicas ganharam vida. A sonoridade é uma consequência da variedade de ideias e como elas se misturam facilmente numa textura única, que acaba sendo nossa assinatura.
Metal Na Lata: Desde o início vocês já tinham o conceito de inserir a regionalidade nordestina em suas músicas, ou isso acabou acontecendo de forma intencional?
Alf: A ideia sempre existiu, acho que no EP acabou ficando algo discreto demais, mas no meio de Satan Goss uma tímida levada de maracatu entra em cena e puxa um break absurdamente groovado, se essa música fosse gravada hoje saberíamos expressar de maneira mais madura a mescla com os sons regionais. No Parasites o intervalo foi muito maior entre fazer as músicas e gravá-las, levamos dois anos entre preparar as músicas e entrar em estúdio, enquanto no PUP o fizemos em menos de um ano. A regionalidade faz parte de nossas características e aparecerá de forma surpreendente em nossas criações vindouras.
Metal Na Lata: “Pretty Ugly People”, o primeiro trabalho de vocês, foi muito elogiado pela energia e temáticas intensas. Como vocês conciliam peso, melodia e melancolia na composição das músicas, mantendo uma identidade agressiva e única?
Alf: Acho que entre todas as coisas que abordamos e as texturas das nossas músicas há um elo, acho que se você vai dizer o quanto você se sente doente por viver numa sociedade refém de pastores bilionários e políticos sociopatas, esse recado tem que ser passado com gritos de ódio, afinação baixa e uma batera nervosa.
Metal Na Lata: A banda possui influências de gigantes como Sepultura, Alice In Chains e Slipknot. Como essas referências se transformam em algo autêntico no som de vocês?
Alf: Influências são coisas já feitas por artistas que admiramos, o objetivo de uma influência é servir de referência e não como resultado final. Para nós é muito satisfatório poder fazer uma determinada sonoridade num contexto completamente inconvencional e encontrar aí um novo resultado. Muitas bandas possuem proposta idêntica a nossa, porém, entre o ponto de partida e o resultado final as variáveis são completamente diferentes.
Metal Na Lata: A música ‘Satan Goss’, de Pretty Ugly People, usa uma metáfora inspirada no universo de Jaspion. Vocês acham que essas referências da cultura pop podem atrair um público diferente para o Metal?
Alf: Não foi uma música feita com a intenção de ser uma porta de entrada para o fã de Jaspion chegar na Headspawn. Tínhamos uma mania de batizar as músicas com nomes exóticos para que pudéssemos lembrar, “Satellite” era “Satan light” e tinha “Satan Goss”, me pareceu a oportunidade perfeita de descrever o ponto de vista de alguém que foi corrompido pelo sentimento de ódio. Eu, particularmente, sou muito fã de Tokusatsu e não ache estranho se alguma outra referência entrar nos nossos próximos trabalhos.
Metal Na Lata: O EP ‘Pretty Ugly People Live’ foi gravado sem público, em plena pandemia. Como foi capturar a energia de um show ao vivo sem a interação com os fãs? Esse foi o primeiro ‘show’ da Headspawn?
Alf: Foi estranho, porque estávamos fazendo a mesma coisa que fazíamos no estúdio de ensaio, exceto que ali tínhamos uma iluminação e algumas pessoas filmando. Vivemos tempos em que vários artistas se lançam virtualmente mas não fazem shows por não serem de fato uma banda de verdade, entende? Nós queríamos prover para o público a energia do nosso som sendo tocado ao vivo e acho que conseguimos isso. Não considero o primeiro show, foi apenas uma sessão no estúdio, nosso primeiro show foi em janeiro de 2022 quando pudemos finalmente interagir com o público, em razão da flexibilização sanitária.

Metal Na Lata: Falando agora no trabalho mais recente, o excelente ‘Parasites’, que também foi muito elogiado pela mídia e fãs no mundo todo. Vocês acham que trouxeram um avanço na sonoridade e na temática da banda para algo mais grandioso? O que vocês mais queriam expressar nesse álbum?
Alf: Acho que amadurecemos como banda, traduzimos de forma mais eficaz nossas ideias numa sonoridade bem orientada pelo trabalho anterior. O tema do álbum é a catástrofe, algo apocalíptico e definitivamente palpável, acho que os pontos de vista levantados no Parasites acabam dando mais projeção às composições dele, você começa no ponto de vista da fila do abatedouro e termina no do capanga cansado de abater.
Metal Na Lata: Se vocês fossem apresentar a banda a alguém que não a conhece, como definiria a sonoridade da Headspawn em ‘Parasites’?
Alf: Como algo simples, pesado, melódico e direto. As pessoas nos percebem de acordo com as perspectivas delas, alguém que é do Stoner vai ter um conjunto de sensações diferentes daquela que é fã de Thrash Metal, por isso prefiro sempre falar sobre nossa sonoridade da forma mais simples e crua possível, e deixar o resto com o ouvinte.
Metal Na Lata: O Nordeste brasileiro tem uma cena musical rica e diversa, mas nem sempre recebe a visibilidade que merece no cenário nacional. Como é ser uma banda de Metal representando essa região?
Alf: Antes de mais nada é uma honra, mas ainda é difícil ser notado e participar das movimentações da região sudeste. Acreditamos muito no que fazemos, sabemos que um trabalho orgânico e independente realmente leva um tempo até ser reconhecido. O nordeste tem feito contribuições valiosas ao metal nacional e a música underground.

Metal Na Lata: Muitas bandas já trouxeram regionalidades para o Metal. A música ‘Terra Solis’, de ‘Parasites’, incorpora também elementos regionais como o triângulo num ritmo quase que em baião. Como vocês veem a importância de incluir sons e influências da cultura nordestina no Metal?
Alf: É muito importante pensar diferentemente, trazer frescor e originalidade a uma obra. As brasilidades e mais precisamente a sonoridade nordestina fazem parte ne nossa linguagem musical, acabam entrando de forma natural no nosso mosaico. É claro que se estivéssemos quebrando a cabeça para fazer uma música como “Terra Solis” o resultado seria terrivelmente diferente, o fato desse tipo de influência já fazer parte de nós três, faz autenticidade e identidade ao resultado final.
Metal Na Lata: A faixa ‘Everybody Hates Somebody’ aborda questões sociais e políticas com intensidade e muita inteligência da parte de vocês. Como a música pode ser uma ferramenta para expressar indignação e resistência sem soar partidária nos dias de hoje onde – desnecessariamente – tudo parece cair em política?
Alf: Eu acho que tudo é política, quando estamos criticando situações estamos nos posicionando contra tudo o que foi responsável por aquilo. Acho que o fracasso do sistema político, no mundo quase todo, levou as pessoas a evitar qualquer relação com isso, contudo, não quer dizer que elas tenham desistido de suas posições filosóficas sobre a sociedade. Independente da orientação política das pessoas, coisas como o racismo tinham que revoltar a todos e não deveriam mais existir.
Metal Na Lata: Vocês mencionam que o álbum ‘Parasites’ é um reflexo de experiências pessoais e momentos difíceis. Como essas vivências moldaram o processo criativo do disco? Acreditam que essas experiências intensificaram todo o processo?
Alf: Eu diria que toda essa carga aconteceu após o processo criativo, foi no momento de gravar que as coisas não estavam bem. É claro que poderíamos ter adiado, ganhado tempo e gravar em outro momento, mas escolhemos colocar toda aquela atmosfera caótica para dentro das gravações.
Metal Na Lata: A música ‘Sinking Jetsam’ fala sobre libertação e superação. Como vocês esperam que os fãs se conectem emocionalmente com essa mensagem?
Alf: A metáfora do hospedeiro tentando se livrar do parasita é algo que pode significar para uns um fim de uma relação tóxica e pra outros uma libertação de um vício terrível, é realmente uma caixinha de surpresas que adoramos abrir. Alguns fãs nos escrevem para relatar o porquê gostam e se identificam mais com determinada música, ‘Sinking Jetsam’ é uma das mais populares nesse quesito.
Metal Na Lata: ‘Brought Into This World’ foi gravada de forma improvisada antes de ‘Parasites’ ser lançada. Como a energia espontânea dessa gravação influenciou no resultado final que parece ser um pouco diferente?
Alf: Eu não acho tão diferente, é apenas um detalhe ou outro que fizemos diferente no ‘Parasites’. Quando passamos por Teresina/PI, durante a turnê de 2022, o pessoal da Casa Multiverso nos hospedou, nela estava o Studio 202 que gentilmente nos acordou às 09h da manhã para fazer uma gravação surpresa. Disseram que queriam gravar duas músicas, então tocamos ‘Voices’ e depois decidimos tocar algo novo. Seremos eternamente gratos ao pessoal do Studio 202 pela experiência fantástica.
Metal Na Lata: Com a popularização do streaming, como vocês avaliam o impacto das plataformas digitais na carreira da banda? É mais desafiador ou uma oportunidade maior?
Alf: É uma faca de dois gumes, se por um lado qualquer um pode procurar sua banda e achar suas músicas facilmente, por outro, temos uma infinidade de artistas e lançamentos que acabam não tendo a oportunidade de chegar até seu público, além da pífia remuneração que é ofertada aos artistas.
Metal Na Lata: Os lyric videos de ‘Everybody Hates Somebody’ e ‘Sinking Jetsam’, junto a identidade visual da banda, trazem muito impacto e força ao nome da Headspawn. É latente que vocês levam muito a sério também essa parte. Como ela contribui para amplificar a mensagem e o impacto das músicas?
Alf: Acredito que o mercado da música se transformou em algo que necessita mais do recurso visual, não que videoclipes tenham sido menos importantes em outro momento, mas hoje, como não se vende mais discos físicos aos milhões, a identidade visual se tornou sinônimo de presença virtual (seja em rede social ou no imaginário). Quando você lança uma música nova, ela certamente será mais bem recebida se estiver inserida num contexto audiovisual capaz de amplificar o alcance e sentido da mensagem.
Metal Na Lata: Vocês já mencionaram que o primeiro show ao vivo e presencial foi uma experiência transformadora. Como a interação com o público mudou a dinâmica da banda no palco?
Alf: Antes éramos três caras trancados num estúdio durante um programa sanitário de quarentena, nós curtimos efusivamente cada trecho de cada música que fizemos. Quando finalmente pudemos estar de tocando para as pessoas e percebemos que elas curtiam as músicas do jeito que a gente estava curtindo antes no estúdio, a gente finalmente sentiu que era o início de uma conexão muito especial. Qual artista não adora estar conectado com o seu público?
Metal Na Lata: Recentemente vocês lançaram o videoclipe da faixa “You Are”, faixa que ao mesmo tempo soa comercial, mas em contrapartida muito pesada. Como conseguem mesclar esses dois mundos as vezes tão distintos na cabeça de fãs mais conservadores dos dois lados?
Alf: O propósito do nosso som é exatamente ser desafiador, a gente quer fazer aquele ouvinte mais conservador encontrar algum elemento que o faça questionar seu conservadorismo. Somos basicamente uma banda Fusion, não faz sentido visitarmos zonas de conforto.
Metal Na Lata: No mesmo dia que lançaram esse videoclipe, vocês conquistaram – graças aos fãs da região – a chance de abrir a um show do Sepultura em João Pessoa, na cidade natal de vocês. Conte-nos como foi que chegaram até isso e como foi poder tocar com seus ídolos.
Alf: Para uma banda independente, foi muito importante estar ocupando aquele espaço graças a um clamor popular dos fãs e de produtores locais. Foi dito com todas as letras que a organização não nos conhecia e toda aquela comoção foi responsável por nos garantir aquela experiência, temos umas intermináveis gratidões por isso. Nós ensaiamos sempre, estamos sempre prontos para tocar em qualquer lugar, quando chegou nossa hora de subir no palco, nós demos conta do recado e ganhamos muitos novos fãs naquele dia. Foi muito emocionante e não vejo a hora da próxima vez.
Metal Na Lata: Qual é o maior desafio de ser uma banda de Metal autoral no Brasil hoje? E quais estratégias vocês usam para se destacar no cenário nacional e internacional?
Alf: O preconceito com a música pesada é responsável por muitos problemas que enfrentamos, a exemplo da completa falta de apoio do poder público que se escora em espécimes culturais padronizados e do privado que prefere patrocinar modelos musicais pasteurizados e de pouco valor. Acredito que é preciso furar a bolha, como sempre foi, fazer a música pesada entrar novamente no radar das pessoas.
Metal Na Lata: E para finalizar, se ‘Parasites’ foi simplesmente espetacular, o que podemos esperar de um próximo lançamento da Headspawn? Será que teremos ainda mais regionalismos ou manterão a fórmula do ‘time que ganha não se mexe’?
Alf: Uma certeza é de que sempre vamos fazer algo diferente, não acreditamos em fórmula e nem temos a menor vontade de nos repetir, queremos trazer sempre frescor e originalidade aos nossos trabalhos.
Metal Na Lata: Obrigado pela entrevista! Nos vemos em breve em turnê pelo país, certo?
Alf: Muito em breve apareceremos nas principais cidades do país.
Mais informações:
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