Entrevista com Arthur F. (Denial Of Light)
Por Sérgio R. Santos
Um mergulho no oceano da loucura
O projeto brasileiro Denial of Light, uma one man band de dark/crust/post/drone metal, foi formado em 2015 e iniciou sua jornada na música obscura em 2019 com o lançamento do álbum “The Terminal Hour We All Fade”. Este trabalho impactou os fãs de doom/death/dark metal com suas dez poderosas faixas, levando a mente do ouvinte a um universo de desespero. Em 2022, o segundo álbum “Mydriasis” foi lançado, uma verdadeira ópera de terror e sofrimento que proporcionou aos fãs um clima sonoro pesado anti-vida presente apenas nas mais blasfemas e obscuras bandas de death/black metal, reafirmando o poder do metal extremo arrastado e cadenciado. Denial of Light é uma das pérolas do underground brasileiro, atendendo perfeitamente às exigências de públicos de variadas vertentes como death/doom, black metal, drone, dark, crust, sludge e harsh/noise. Conversamos com Arth (Arthur F.), a mente criativa por trás dessa maravilha da música obscura.
Metal Na Lata: O que te motivou a começar o projeto Denial of Light?
Arthur F: A motivação surgiu da vontade de compor e gravar os sons que eu curto, explorando ao máximo as coisas que aprecio e também aquelas que não ouço por aí. Foi e continua sendo um percurso de aprendizado e evolução, mas o mais importante é desenvolver percepção e senso crítico, aspectos que se aprimoram ao longo do tempo.
Metal Na Lata: Com relação ao projeto ser uma one man band, em quais aspectos isso pode ajudar ou atrapalhar? Sei que havia um desejo seu de encontrar músicos para tocar ao vivo.
Arthur F: Quando se trata de ser uma one man band, há vantagens e desvantagens. Com uma banda, é necessário haver uma certa democracia de ideias, e encontrar pessoas alinhadas para fazer a coisa funcionar pode ser desafiador. O Denial of Light é complexo e requer uma formação de quinteto para operar adequadamente, além de exigir um investimento técnico significativo. Nem todos estão dispostos a pagar esse preço, especialmente considerando que o retorno financeiro é praticamente nulo. Particularmente, sou mais voltado para o trabalho em estúdio e não sou fã de estar no palco. Tive uma experiência com o Denial onde fizemos dois shows e detestei. Foi muito trabalho para pouco resultado, e tenho outras prioridades na vida. Gosto de tocar e tudo mais, mas prefiro executar as coisas em estúdio, lançar material e seguir em frente. Não quero lidar com toda a logística envolvida em tocar ao vivo. Respeito quem gosta, mas não é minha prioridade.
Metal Na Lata: Uma peculiaridade do Denial of Light é que cada ouvinte tenta definir o som de uma maneira diferente, seja como Death/doom (o que não concordo), Obskure dark metal, Dark/Industrial noise etc. Acredito que seja algo positivo, pois reforça o argumento de que você criou uma identidade sonora forte. Você concorda comigo e arriscaria uma única definição frente ao amálgama de estilos presente nos álbuns?
Arthur F.: O povo costuma rotular como Death/Doom, pois, de forma geral, a audiência desse gênero aqui no país é bastante limitada. Quando era mais jovem, ouvi bastante disso, mas nunca se limitou a apenas esse estilo. No início dos anos 2000, estava profundamente envolvido com rock alternativo. Gosto de muitas coisas diferentes. Por coincidência, tenho uma faceta sombria que consigo expressar através do som que produzo, mas há muitas influências misturadas. Incorporo elementos de gêneros que não têm nada a ver com metal. Eu diria que adotei uma abordagem experimental com nuances obscuras, flertando com tudo o que você mencionou, entre outras coisas.

Metal Na Lata: Diante de tantos detalhes e variações nas canções, me indaguei algo sobre o processo de composição, como deixar tudo coeso. Durante o processo de criação, você prefere seguir um fluxo de consciência ou planeja a estrutura completa das músicas, de como vai soar o CD de forma completa? Por exemplo, no primeiro CD, faixas como “No Will to Strive”, “Never Ending Strain” ou “In Silence Decay” capturam a mente do ouvinte de forma extraordinária; a faixa título é uma loucura, como se fosse som acústico com momentos doom/grind (risos). Já no segundo, é bem uniforme nas viagens sonoras com momentos de quebras fantásticos, quase como um álbum conceitual.
Arthur F.: O primeiro álbum foi bastante variado e, de certa forma, prestou tributo a algumas coisas que foram importantes para mim na adolescência. No entanto, consegui criar minha própria identidade ali, e há uma aura nesse álbum que não será replicada. O processo todo foi muito direto, e músicas como a faixa título e “Within Derelict Walls” serviram como ponto de partida para o que viria adiante. No segundo álbum, as músicas foram mais sequenciadas, quase como um álbum conceitual, sim. No entanto, existem muitas quebras e mudanças de clima. O álbum é extenso e coeso, mas você o ouve rapidamente; o tempo passa e nem se percebe. Não é monótono; é denso, ríspido, sem romance.
Metal Na Lata: Minhas músicas favoritas do segundo trabalho são “No Wounds Will Heal”, “Into the Burial Frost”, “Divine Forbid Me” e a “All Suffer” que encerra o CD de forma magnífica. Creio que essas me chamaram atenção justamente por ajudar a quebrar um padrão, já que na primeira parte do trabalho o ouvinte tem a sensação de continuidade entre as canções, uma conexão. Isso me ajudou a apreciar o álbum de forma que não percebi a passagem do tempo, capturando a atenção e nunca soando maçante, um feito que muitas bandas de som sorumbático não conseguem. Na atualidade, muitos utilizam os CDs como trilha sonora para outras atividades, e você conseguiu capturar minha atenção devido à energia densa transmitida. O feeling é fator indispensável para este tipo de som?
Arthur F.: Legal, e é como eu falei, as músicas passam e você nem percebe o tempo passar… Curiosamente, “All Suffer” foi a primeira música composta para esse álbum e acabou dando um norte para onde eu iria. O feeling é importante para alavancar o senso crítico, mas não adianta nada sem técnica e visão. Eu gravo muitas demos, fragmentos, e analiso tudo para identificar bons pontos de partida para lapidar algo. Tem músicas que vêm de forma inteira numa tacada só e algumas demoram mais para se formarem. Depois que tenho algo, costumo gastar um tempo analisando todo o contexto, métricas e estruturas. Tudo tem que ter uma boa conexão; sou muito detalhista e perfeccionista. Claro que existem erros e acertos, faz parte, e tudo se torna um aprendizado. Quando o álbum foi concluído, ouvi muitas vezes para ter certeza de que estava coeso e dentro da proposta que buscava. Com “Mydriasis”, trouxe uma sonoridade que até então nunca tinha sido feita por aqui, e também não muito comum lá fora: todo esse clima dissonante e denso, os timbres e a maneira como tudo foi entrelaçado… Mas isso já tinha começado lá no CD “Terminal…”, para falar a verdade.
Metal Na Lata: No conteúdo lírico, vemos temas como anti-religião, loucura, vícios, etc. Elas complementam a sonoridade extrema e hipnótica, e não encontrei nada de letras clichês com palavras como “pain”, “suffering”, “depression”, “tears”… (risos). O próprio nome do novo CD, “Mydriasis”, é um conceito interessante, pois significa uma dilatação da pupila de causa não fisiológica, podendo ser de origem traumática, efeitos de drogas ou perturbação mental. Você destacaria alguma mensagem?
Arthur F.: Eu tento ser muito cuidadoso na escrita, sempre fugindo dos clichês e das bobagens que permeiam esses gêneros. “Mydriasis” é um nome que eu tinha comigo desde 2015; era para ter sido uma música do álbum “Terminal Hour We all Fade”, porém optei por guardar o nome e utilizá-lo no futuro, acabando por se tornar o título do segundo álbum. Realmente, a descrição sobre as pupilas dilatadas pelo uso de drogas é real, mas a analogia que fiz com isso é que, com a dilatação da pupila, a visão é tomada pela parte escura. Então, “Mydriasis” trata do escurecimento da visão diante da vida, por todos os acontecimentos recorrentes que dão forma ao círculo de desgraça perpetua.
Metal Na Lata: Me fale sobre a participação do Alex Rodrigues (Of the Archaengel, Lethal Curse) e do Fábio de Paula (HellLight). Ouvi dizer que o Alex estará de volta para o terceiro trabalho.
Arthur F.: Somos todos de São Paulo e nos conhecemos há tempos. O Alex gravou vozes junto comigo na faixa “Divine Forbid Me”, e o Fábio gravou um dos solos na faixa “The Hell of my Existence”. Foi legal tê-los participando, pois trouxe uma linguagem um pouco diferente do que estou habituado a fazer, e funcionou bem. O terceiro álbum foi concluído em fevereiro, e pela estética do álbum, fez sentido ter o Alex novamente participando, mas dessa vez em duas faixas. Funcionou bem; nossos timbres de vozes têm uma boa sinergia.

Metal Na Lata: A Eclipsys Lunarys é um selo jovem que surgiu com uma proposta inusitada de se dedicar ao lançamento de bandas dos estilos dark/doom/drone/gothic metal, algo ainda inédito por aqui. Como você entrou em contato com o Leandro (Eclipsys Lunarys) para os lançamentos do CD?
Arthur F.: Cara, conheci o Leandro por indicação de outro selo que, na época, queria lançar o material. Mas, infelizmente, o responsável não pôde arcar com os custos. O Leandro gostou muito do álbum, apostou forte nele e decidiu lançá-lo. Acabamos nos tornando bons amigos, e isso é algo que vai seguir em frente, independentemente dos afazeres relacionados à música.
Metal Na Lata: Você e o selo Eclipsys Lunarys se preocuparam em entregar um material de altíssimo nível em termos de apresentação, conceito, composição e qualidade sonora. A parte gráfica, um tanto minimalista, mas marcante, do tipo que você tem contato apenas uma vez e não esquece. Gostei muito das capas feitas pelo artista Brian D’Agosta. Tenho a versão limitada em box set com todos aqueles brindes inusitados e achei soberbo, uma verdadeira obra de arte. Essa identidade visual será mantida? Haverá outro box?
Arthur F.: Sou muito cuidadoso com toda a parte gráfica e eu mesmo cuido dela. Também sou um cara das artes; tanto que a capa do Box que você tem é uma arte minha. Porém, para as capas dos álbuns, mantive sob a frente o Brian, pois gosto bastante do trabalho dele, e ele já tem um certo nome no underground internacional. Além disso, temos uma boa amizade. Certamente, a identidade visual será mantida, mas dessa vez será algo mais impactante. Sobre o Box… não tenho certeza se vamos fazer algo ainda.
Irei ressaltar que sua observação em relação à arte parecer um tanto “Minimalista”. Creio que sim, e felizmente elas possuem identidade própria. Ambas foram desenhadas de forma tradicional, não é o tipo de coisa que você vai ver por aqui. Elas não são clichês, sem exageros e sem parecer infantil. Além disso, elas têm uma junção perfeita com a música e todo o direcionamento visual, tendo como foco principal a atmosfera visual do Denial. Isso é algo que felizmente eu concluí com êxito desde o primeiro álbum.
Metal Na Lata: É verdade que você pretende encerrar o projeto após o lançamento do terceiro CD? Qual o motivo? Realização artística e encerramento de um ciclo, ou haveria possibilidade dessa decisão ser repensada?
Arthur F.: Sim, o terceiro será o último. Acho que será interessante encerrar como trilogia; os três álbuns estão bem conectados, e o último será uma bela conclusão. Não saberia o que fazer depois do terceiro, caso eu continuasse. Na verdade, até daria para pensar em algo, mas definitivamente prefiro encerrar as coisas aqui. Já concluí o que eu queria fazer, e é isso que vou deixar para trás. Tenho outros planos, e essa mensagem sombria do Denial já não faz parte nem condiz mais com meu percurso, então prefiro fechar esse ciclo.
Metal Na Lata: Por último, a palavra é sua agora, Arthur, para suas considerações finais.
Arthur F.: Obrigado a todos que prestigiam o material, não somente o meu, mas de todos que fazem algo dentro da música e arte em geral, independente do gênero. Tem muita coisa boa por aí.

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