Overload Beer Fest – Carioca Club, São Paulo/SP (15/03/2020)

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Overload Beer Fest 2020
Banda principal: Dirty Rotten Imbeciles
Banda de abertura: Periferia S.A.SurraDesalmadoManger Cadavre? e Cerberus Attack
Local: Carioca Club Pinheiros, São Paulo/SP
Data: 15/03/2020
Produção: Overload
Assessoria: The Ultimate Music

Texto por Wallace Magri
Fotos e por André Simões da Santos

“O Começo do Fim do Mundo” foi um festival punk que aconteceu em 1982, no Sesc Pompeia, e que ficou conhecido como um dos momentos mais marcantes da cena Punk Rock no Brasil, evento no qual tocaram dezenas de banda (Cólera, Olho Seco, Ratos de Porão, Inocentes, etc.), pelo qual circularam quase 5.000 pessoas, com diversas barracas vendendo materiais das bandas, além do clima tenso, uma vez que era época de Ditadura Militar e o discurso Punk sempre foi antissistema, o que deixava a Polícia Militar com sangue nos olhos, em busca de propaganda subversiva e de carecas do subúrbio e moicanos com atitudes contra o poder instituído para sentar o porrete neles. Claro que naquele festival, que durou 2 dias, não foi diferente e o cassetete comeu solto.

Estamos em 15 de março de 2020, o Punk Rock no Brasil continua atraindo legiões de fãs e, para tornar este dia ainda mais propício para um Festival Punk, parece que realmente estávamos a 1 dia do verdadeiro Começo do Fim do Mundo, como fora prenunciado em 1982! E o responsável pelo clima tenso, desta vez, não foi a Polícia Militar – que nem na porta do evento compareceu.

A propagação rápida e letal do Coronavírus por todo o Planeta, enfim, chegava ao Brasil – convenientemente depois do Carnaval – e, junto com a Pandemia, o início dos alertas para que a população aderisse ao isolamento social, permanecendo em quarentena em suas residências, dando início à histeria coletiva, com gente amalucada começando a estocar álcool gel e papel higiênico.

Entre a preocupação com as notícias que se iniciavam àquela altura e o dever de cumprir com o compromisso assumido, de cobrir este que seria o último show na Terra por muito tempo, prevaleceu minha ética profissional e, sem pestanejar, vesti a camisa do Metal na Lata e fui para o batente.

A ORGANIZAÇÃO:

Cerveja, Punk, Hardcore e Thrash Metal, somados a ingressos a preços acessíveis: não tem receita mais acertada para fazer rolar uma festa agitada e divertida!

Foi justamente nessa fórmula vencedora que apostaram os organizadores do Overload, que, além do bar vendendo cerveja, barracas vendendo salgados veganos, etc., trouxe para ferver o ambiente grandes nomes da cena Thrash/Punk local, além do icônico Dirty Rotten Imbeciles, mais conhecido como DRI, para fechar a noite!

Também havia merchandising das bandas e uma tenda com CDs e vinis diversos à venda e já se iniciava o pedido para que o público colaborasse adquirindo estes materiais, porque um período difícil se aproximava para os músicos e staff, ante a decretação de prazo indeterminado para que eventos, públicos e privados, reunindo muitas pessoas, fossem terminantemente proibidos, praticamente em todo o Planeta.

O Carioca Club, como sempre digo, é a casa mais tradicional de shows de Metal/Hardcore/Punk da capital de São Paulo e, desta vez, tivemos direito a camarote, editor e fotógrafo para fazer a cobertura completa e adequada do evento. Não se trata de luxo, no nosso caso, já que, ainda que tenha muito de diversão no que fazemos, estamos lá para trabalhar e, podendo descansar um pouco, sentar no camarote para prestar mais atenção no palco, com a tarefa dividida entre escritor e fotógrafo (que observam aspectos diferentes do show), nossa missão se torna mais digna e denota reconhecimento por nosso empenho – ainda mais em situação tão adversa, como neste caso.

DESALMADO:

Lamentamos, mas apenas o nosso fotógrafo, André Simões dos Santos, chegou a tempo de cobrir o show das bandas Cerberus Attack e Manger Cadavre?, então ficamos devendo a descrição verbal dos shows, desafiando vocês a tirarem uma base do que rolou no começo da festa, pelas fotos desta matéria.

Quando o Desalmado subiu ao palco, lá estava eu na pista para ver surgir um dos muitos moshpits do dia, com a galera girando em sentido anti-horário, como tem que ser, ao som do Hardcore extremo da banda, que é muito bom de ouvir.

A comunicação com o público é intensa, bradando palavras que incitam a força do underground, vociferando contra o fascismo e também descendo o porrete em Jair Messias Bolsonaro.

Voltando o foco para a música, as pedradas desferidas pelo Desalmado funcionam muito bem ao vivo, como em “Hidra”, “Glória” e “Pavor”, merecendo uma conferida no som dos caras – ainda que você não seja adepto à ideologia política de seus integrantes. Afinal, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa….

 

SURRA:

A grande surpresa da noite, para mim, foi a apresentação do Surra, vindos de Santos, praticam um Crossover de muita qualidade, graças ao sangue nos olho com que tomam conta do palco os integrantes da banda – Leeo Mesquita – Vocal/Guitarra, Guilherme Elias – Baixo/Vocal e Victor Miranda – Bateria.

Iniciam o show com “Escorrendo Pelo Ralo”, emendada com “O Mal Que Habita a Terra” e toda sua urgência Crossover muito bem ensaiada e extremamente caótica reflete no público, que volta a girar enlouquecidamente.

As levadas predominantemente em blast beats de Victor Miranda, dão aquela pegada Thrash atravessando a fronteira da luz à sonoridade e que, no meio do caminho, encontra um Punk/Hardcore de limite, resultando em uma interessante e curiosa forma de arte construída através de músicas de curta duração, que se sucedem a toda velocidade com “Do Lacre Ao Lucro” e “Ultraviolência”.

“Virou Brasil” é um puta som e deixa claro que Leeo Mesquita é tipo um maestro do caos, para cuja concepção colabora de forma vigorosa a cozinha da banda. Às vezes a impressão é que os caras mandam um “System Of Down on steroids”, tamanha a diversidade de andamentos que desfilam em curto espaço de tempo.

Em “Anestesia”, destaque para as dobras vocais, que também são uma marca registrada da banda, o que, claro, faz triplicar a agressividade das músicas nos momentos certos.

Leeo dá uma pausa no rolo compressor para acalmar uma treta que tinha começado na frente do palco entre punks e os seguranças, mostrando que a banda tem sabedoria de roda e sabe segurar a onda de seus fãs, para evitar desdobramentos indesejáveis de violência.

Mais uma quebrada de gelo com um improvável reggae nos versos de “Viver Em Santos”, preparando o caminho para a abertura de mais moshpit para sequência final de um dos melhores shows que assisti neste ano.

 

PERIFERIA S.A.:

Banda que já nasceu pronta e que é uma espécie de “sucursal” montada por Jão, ao lado de Jabá e Dru, todos relacionados com o Ratos de Porão, com o objetivo de executar Punk Rock do jeito que tem que ser – simples e direto ao ponto.

Jão tem uma presença de palco muito bem talhada ao longo de cinco décadas dedicadas à causa – e a forma despojada com que se expressa confere autenticidade ao conteúdo contestador das letras, que sempre foi o carro-chefe de sua banda principal e, com Periferia SA, torna-se onipresente em todas as músicas.

E os hinos punks vão aparecendo em sequência, com destaque para “Devemos Protestar”, “Segunda-feira” (que tem uma levada mais Motörhead) e “Recomeçar” (com um riff que transita de novo para um Motörhead, quando quer fazer reverência ao Ramones).

Claro que mandam dois “covers de nós mesmos”, como diz Jão, fazendo referência, claro, ao RDP. E a escolha não poderia ser mais acertada, botando fogo de vez no público – e os seguranças voltam a ter problemas com as tentativas de invasão ao palco, num dos eventos em que certamente a guarda particular mais teve trabalho nos últimos tempos. Mas souberam lidar sem excessos com a avalanche de testosterona da rapaziada que não desistia de tentar furar a barreira e subir no palco.

E é assim que, em menos de meia-hora raivosa, o trio coloca o público em ponto de bala para a agressão final que está por vir.

 

DRI:

O DRI é uma das bandas responsáveis por unir a agressividade do Hardcore/Punk Rock, com o peso dos riffs e a cadência do Thrash Metal da Califórnia, lá nos idos dos anos 80, sendo precursores do estilo musical que ficou conhecido como Crossover para a posteridade. Por mais que você não conheça muito a banda, a figura icônica de Kurt Brecht, grandalhão, sempre com um boné enfiado na cabeça, espremendo sua cabeleira, enquanto canta, paradão, no centro do palco, além da marcante logomarca da banda, são inconfundíveis.

Embora não lance nenhum material inédito desde 95, uma série de turnês e relançamentos mantêm a banda bem ativa, afora o período em que tiveram que parar para tratamento de câncer de Spike Cassidy.

O show começa de maneira vigorosa e até um pouco cadenciada, no primeiro ciclo, que começa com “Application” e segue a todo vapor com “Hooked”, “How To Act” e, após um ajuste na guitarra, o show prossegue com um crescendo de violência Punk a partir de “Commuter Man”, sem perder a veia Thrash Metal.

Já a partir de “Probation”, um definitivo vórtex é criado com o giro incessante da galera no moshpit, puxando praticamente todo mundo para a roda. O clima está quente e a banda aproveita para se refrescar e, em seguida, mandam “Rather Be Sleeping”, seguida de mais uma sequência avassaladora de petardos do Crossover.

Na parte central do show, aproveito que estou no camarote e presto atenção na performance dos integrantes, ao som de “Acid Rain”, “Violent Pacification”, etc. e noto que eles estão ali a serviço da audiência, como se fossem coadjuvantes do evento: todos muito concentrados, movimentação até que discreta se comparada com a música violenta e agressiva que propaga pelos PAs (como de costume, o som da casa está muito bom e dá conta de segurar e processar o esporro sonoro).

Se Kurt Brecht não é um grande mestre de cerimonias, sua sinergia com a banda, especialmente com o simpático Spike Cassidy, dá a liga necessária com a audiência. Já Rob Rampy (bateria) e Harald Oimoen (baixo) permanecem ocupados demais em garantir a parede sonora que apoia o som da banda para se preocupar com coreografia de palco.

Finalmente, quando começam os primeiros acordes de “Manifest Destiny”, tirada do álbum “4 Of A Kind” – que me apresentou para a banda, em 1988 – não me contenho e, para fazer jus à minha presença nesta verdadeira celebração da vida antes do começo do caos que nos aguardava, dou o laço reforçado nos cadarços do tênis e me atiro no moshpit, girando junto com a galera ao longo dos próximos hinos da banda, disputando espaço nas primeiras fileiras do palco ao som de “Thrashard” e ajudando a carregar nego acima das nossas cabeças em “Abduction”.

Enfim, com minha energia revigorada após tomar o epicentro do Tornado humano ao final da apresentação regular, agora, já ao lado do palco, aproveito para assistir, de alma lavada e com um sorriso no rosto, o encore, com “I Don’t Need Society”, “Beneath The Wheel” e “The Five Year Plan”, com direito a Spike dividindo o microfone e fazendo pose ao lado dos animados Jão e Jabá, que subiram ao palco e foram muito bem recebidos pelos texanos sangue bão – embora não tenham sido convidados.

E foi assim que, após cerca de 1 hora e meia de show, as luzes se acendem e todos caminham para fora do Carioca Club, com os ouvidos zunindo, as canelas e ombros doloridos, em direção a um futuro incerto, já em clima de toque de recolher, sem saber quando a próxima festa acontecerá, no que veio a se tornar, talvez, o começo do fim do mundo como o conhecemos.

Nos dias que se seguiram ao evento, cada vez mais o toque de recolher foi ganhando força, especialmente com a proibição do Prefeito de São Paulo à realização de shows dali pra frente.

Nesse caso, você sendo punk ou não, é uma Lei que se deve obedecer, se não em submissão ao Sistema Político corrompido, que seja por respeito à vida de todos.

Sendo assim, só nos resta aderir ao isolamento, curtindo nossas bandas favoritas em casa mesmo, e torcer para que o circuito de shows seja reaberto em breve, encontrando todos nós com saúde.

Setlist D.R.I:

Application
Hooked
How To Act
Commuter Man
Probation
Wages Of Sin
Dry Heaves
Equal People
Rather Be Sleeping
Yes M’am
The Explorer
Karma
Think For Yourself
Acid Rain
Violent Pacification
Argument Than War
Against Me
Mand Man
Couch Slouch
Who Am I
Slumlord
Dead In A Ditch
Suit & Tie Guy
Manifest Destiny
Syringes
Thrashard
Abduction
I Don’t Need Society
Beneath The Wheel
The Five Year Plan

FOTOS MANGER CADAVRE? E CERBERUS ATTACK:

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