Sepultura – Espaço Unimed, São Paulo/SP (08/09/2024)
Produção: 30ebr
Assessoria: Trovoa Comunicação
Texto, Fotos (Black Pantera) e Vídeo (Sepultura) por Johnny Z.
Fotos (Sepultura) por Ezequias Pedroso
Após quatro décadas de uma jornada sonora intensa e inovadora, a maior banda brasileira de Rock/Metal, Sepultura, está à beira de um possível encerramento de carreira. Comemorando seu 40º aniversário, a banda anuncia sua última turnê, intitulada “Celebrating Life Through Death”, que durará até o final de 2025, como um tributo à trajetória marcada por muito sucesso e também algumas tempestades e reestruturações. Este marco é um momento de reflexão e respeito, um reconhecimento do impacto duradouro que a banda teve na cena Metal brasileira e mundial. Mas eu pergunto: Será mesmo que a banda já deu tudo o que podia dar? Minha resposta é um sonoro NÃO!
Derrick Green (vocal), Andreas Kisser (guitarra), Paulo Jr. (baixo) e o mais novo membro, Greyson Nekrutman (bateria, ex-Suicidal Tendencies, no lugar de Eloy Casagrande, que se juntou ao Slipknot antes da turnê começar de uma forma meio estranha, mesmo que compreensível), têm muita lenha para queimar ainda. Isso é um fato que todos, sem exceção, têm plena consciência, inclusive eles próprios. Exceto Greyson, que ainda é um jovem de 22 anos e tem décadas pela frente para mostrar seu ENORME conhecimento no instrumento em QUALQUER outra banda grande que ele venha a integrar!
Não quero criar intriga, falsas esperanças ou denegrir nenhuma formação ou músico que já passou pelo Sepultura. Acompanho a banda há mais de 35 anos e, por muitas décadas, ela foi minha banda preferida. Assisti a shows emblemáticos em todas as fases (exceto com Jairo Guedz, pois na época não conhecia), fui colecionador fervoroso, fiz parte do fã-clube oficial, participei de vários programas de TV que a banda vinha a aparecer, fiz parte da gravação do videoclipe “Mind War“, escrevi sobre a banda na revista Roadie Crew (entrevistas, resenhas e inclusive a seção Background, onde contei a história em detalhes que nem mesmo em livros tinha), enfim, estive presente em vários momentos importantes da carreira e tenho bagagem suficiente para escrever certas linhas aqui.
Todas as fases da banda têm suas qualidades e eu realmente curto todas elas! Mas, sejamos realistas: se você, assim como eu, tem mais de 45 anos, sabe onde estou querendo chegar, não é mesmo? Sabe o que a nostalgia dos velhos tempos faz na nossa cabeça, criando sonhos e expectativas de um possível algo grandioso. Veja bem, com todo respeito a todos!
No entanto, embora a turnê seja apresentada como um adeus, há uma sensação de que algo maior ainda pode se desenrolar. A história do Sepultura sempre foi repleta de surpresas e transformações inesperadas. Será que este “último ato” é realmente o fim, ou há uma possibilidade de que a banda possa ressurgir renovada? O futuro imediato pode ainda reservar novos capítulos para a banda, mantendo viva a chama de uma história que continua a inspirar e surpreender, mas também pode ser realmente o canto do cisne, e aí entra aquela dorzinha no peito. Prefiro pensar na primeira hipótese.
Dito isso, foram três shows na capital paulista, mais precisamente no Espaço Unimed, com abertura das bandas Torture Squad, Cultura Três e Black Pantera, respectivamente, em três completamente lotados. Estivemos presentes no último, dia 8 de setembro, então boa leitura sobre as nossas considerações.
Acabei perdendo, creio eu, uns 15 minutos do show do Black Pantera. E o que falar desses caras? Estão mandando muitíssimo bem no cenário nacional com sua mistura fulminante de Metal, Hardcore, Groove, Crossover e Rock Alternativo, com muita propriedade, energia e mensagem. Abordando – como sempre – temas como política, racismo e discriminação em geral em suas letras, a banda divulgava seu mais recente álbum “Perpétuo”. Foi muito revigorante ver o público, que estava em enorme número, abrindo rodas, pulando, cantando e aplaudindo muito Charles Gama (guitarra, vocal), Chaene da Gama (baixo) e Rodrigo “Pancho” Augusto (bateria).
E os caras tocaram pesado mesmo! Muito pesado! Já tinha assistido a alguns shows deles antes, mas naquela noite eles subiram no palco com muito ódio, e acredito que tenha sido o melhor show deles que já vi. Simpáticos, super felizes de estarem ali celebrando o metal do Sepultura, com um trabalho que, além de incrível, é extremamente impactante! Como disse no início, conferi apenas – creio eu – metade do show, a partir da (emblemática, excepcional e raivosa) faixa “Fogo nos Racistas”. E que som saía dos PA’s! Extremamente nítido, alto e sem estouro, o som estava na medida certa. A iluminação estava adequada para uma banda de abertura (ponto para a organização que não fez distinção!), e a galera estava ensandecida, cantando e agitando em rodas enormes como loucos!
“Revolução É o Caos”, onde o próprio nome já diz tudo, o solo de baixo de Chaene tocando “Anesthesia (Pulling Teeth)”, do Metallica, essa parte foi de arrancar suspiros, e a paulada “Bota Pra Fuder” encerraram o show de maneira caótica, brutal e insana! Resumindo, os caras são músicos excepcionais e tinham, têm e terão todas as plateias na mão. Formam uma banda que está conquistando espaço em grandes festivais e ganhando muita visibilidade na mídia brasileira pela competência e qualidade. É um fato: eles têm um futuro brilhante pela frente!
Setlist Black Pantera:
Provérbios
Padrão É O Caralho
Mahoraga
Sem Anistia
Perpétuo
Fogo Nos Racistas
Tradução
Mosha
Bass Solo
Revolução É O Caos
Boto Pra Fuder
Com avisos de que a apresentação estava sendo gravada, eram 20h15 quando o som mecânico deu início às introduções da catarse sonora que viria a seguir. “War Pigs” (Black Sabbath) e “Polícia” (Titãs) foram cantadas por todos como se a banda estivesse tocando, seguidas de um pequeno vídeo dos bastidores do show, mostrando os músicos se preparando para entrar no palco. Estava dada a largada para o ‘último’ show solo do Sepultura em São Paulo, lembrando que, por enquanto, ainda temos mais uma data agendada para 2025 no festival Lollapalooza.
Uma outra introdução, que misturava de forma sombria e inteligente todas as aberturas dos álbuns da banda, começou a tocar. Ela incluía o início com os “arrotos” (risos) de “The Curse”, do Bestial Devastation, passando por intros do Schizophrenia, Beneath The Remains, Arise, até chegar às batidas de coração de “Refuse/Resist”, de Chaos A.D.. Vale ressaltar que, nesse momento, um pano de fundo com o logo da banda, projetado no alto, aparecia enquanto todos os enormes telões de LED (no fundo, nas laterais e abaixo da bateria, que estava elevada) exibiam imagens sensacionais da banda projetadas para essa turnê.
O início tribal de “Refuse/Resist”, ainda com o som mecânico, cedeu lugar ao Sepultura em carne e osso no palco, com som, iluminação e uma energia brutal. A trinca “Refuse/Resist”, “Territory” e “Slave New World” é para matar qualquer um do coração! Todo o Espaço Unimed estava completamente lotado (mas cabe uma pequena ressalva aqui: mesmo eu estando praticamente grudado na grade do palco da pista Premium, foi muito tranquilo assistir ao show, sem empurra-empurra — exceto nas rodas, onde tudo se abria e você era literalmente arremessado para a lateral sem dó nem piedade. Mas quem liga? Estava sensacional!).
Em “Attitude” foi um verdadeiro pandemônio, pois pessoas que estavam na frente literalmente esqueciam que estavam em um ótimo lugar para assistir ao show e sumiam pelo meio das rodas, se perdendo de vista.
A excelente “Phantom Self”, de Machine Messiah, foi corretamente colocada entre sequências de Chaos A.D. e Roots, para mostrar que também produziram material forte fora da época de ouro, e foi super aclamada pelo público, que cantou do começo ao fim.
Não é necessário focar com exatidão na execução de cada uma das 25 músicas tocadas no show, então vou dar umas pinceladas à medida que as lembranças forem surgindo. Além disso, todos já sabem que os caras são extremamente técnicos, dedicados e tocam com muita empolgação, especialmente Andreas Kisser e agora o americano Greyson Nekrutman, que, embora não toque com a mesma força dos seus antecessores, tem uma técnica e agilidade descomunais!
O gigante Derrick Green (parece que o cara está ainda mais forte e maior) é um amor de pessoa, super simpático e educado, deixando claro o orgulho que sente em ocupar essa posição. E sim, ele canta muito bem, especialmente as músicas da sua fase, obviamente. Ok, até aí é obrigação dele, mas quem reclama de ouvi-lo cantando as faixas antigas, sem entender que a roda girou e a banda não podia parar, reclama de boca cheia.
Sim, quando os clássicos antigos são executados, eu duvido que 99% do público que viveu a fase clássica da banda não tenha a mente inundada pela nostalgia daquela época fabulosa com um toque de saudade. Esse sentimento é puro e autêntico, eu admito, porque eu também passo por isso. Mas consigo apreciar muito bem Derrick cantando as velharias, sem problema nenhum, porque prefiro a banda viva e ativa a não tê-la mais (aqui eu dei uma engolida seca). E gente, venhamos e convenhamos, Derrick está no Sepultura desde 1997!
Muitas faixas de Chaos A.D. (5) e Roots (5) foram tocadas, com as gratas surpresas de “Biotech Is Godzilla” (mais para o final do show), “Dusted” (filmada por este redator na íntegra – vídeo abaixo) e “Breed Apart”. No entanto, como todos sabem, a banda já não vinha tocando mais que uma música dos álbuns Morbid Visions, Schizophrenia e Beneath The Remains, o que, embora eu ache um pecado, é até compreensível. Por exemplo, além das tradicionais faixas de Arise, as caóticas e destruidoras de pescoços “Dead Embryonic Cells” e “Arise” (na parte final), poderíamos ter uma “Desperate Cry”, e ninguém ficaria triste (risos).
Paulo Jr. mandou muito bem, embora às vezes esquecesse de pisar nas distorções, e aparecia todo apavorado e correndo sorrindo (eu vi isso, Paulão!). Ele estava sorridente e brincalhão com todos na grade, mas o mais importante: o som do seu baixo estava bem audível e preenchia perfeitamente a massa sonora que é o Sepultura ao vivo. Andreas, como já mencionado, comanda a plateia com um vigor único. O respeito que todos têm por ele é incalculável, mas quando ele pega o microfone para agradecer, contar umas curiosidades, elogiar a plateia ou introduzir músicas, é uma gritaria e aplauso ensurdecedores. Até aqueles “haters” que pagaram para estar lá, mas gostam de criticá-lo na internet, se renderam. O cara é um monstro! Fim de papo!
Praticamente todas as músicas executadas foram ovacionadas! Na pesadíssima e excelente “Kairos” (única de Kairos), a rifferama de “Means To An End”, o hino “Sepulnation” (única de Nation), “Choke” (única de Against) e “Mind War” (única de Roorback), os pontos altos da fase Derrick no show, por exemplo, todos cantavam e se esmurravam sem dó. Senti falta de “Ali”, de Quadra, que eu teria colocado no lugar de “Guardians Of The Earth”, mas está tudo certo, pois tocaram a belíssima “Agony Of Defeat”, onde Derrick dá um show com sua voz mais grave e limpa.
Os telões foram um destaque à parte. A cada música, imagens relacionadas ao seus temas eram exibidas, mas em “Escape To The Void”, a única de Schizophrenia, apresentada por Andreas com a frase: “Vocês querem uns thrashão, né? Então toma!”, foram projetadas imagens de capas de álbuns, pôsteres, flyers e revistas antigas, de uma forma emocionante e a vibe ‘old school’ tomou conta da velharada presente (me incluo nessa!). Após essa pancadaria, um vídeo mostrando cenas da banda (somente Andreas e Paulo, e mais nenhum outros ex-membros) junto aos índios Xavantes.
Da mesma forma que nos outros shows, nessa hora tocaram “Kaiowas”, com uma breve apresentação de Andreas contando os bons tempos da turnê de Chaos A.D., trazendo para o palco os músicos do Black Pantera, membros da equipe e até algumas fãs nas percussões e tambores.
Algumas faixas só foram tocadas para representar seus devidos álbuns, pois acredito que a ótima “False”, de Dante XXI, e a já citada “Guardians Of Earth”, de Quadra, passaram meio despercebidas pelo público. Essa última não é ruim, pelo contrário, é excelente, mas sua mensagem, na minha humilde opinião, é bem mais impactante que a sua execução.
A parte final dessa celebração veio como uma constelação de nostalgia para ninguém botar defeito. Se algum presente não esboçou algum sentimento nessa sequência, o motivo é simples: não sabe unir o coração ao verdadeiro metal! “Orgasmatron” (com Derrick cantando a letra corretamente, o que, para quem sabe, está ‘errado’), “Troops of Doom” (nessa, Greyson também arrebentou, mas com muito mais força), as apoteóticas, inesquecíveis e verdadeiros hinos da minha adolescência “Inner Self” e “Arise” (o coração aqui chega a sair pela boca!), perfeitas para machucar os amiguinhos ao lado, a groovada e divertida “Ratamahatta” (com uma bela imagem da bandeira do Brasil e o ‘S’ de Sepultura no meio – alguém lembrou do ocorrido no Hollywood Rock 1994?) e finalizando, obviamente, com o rolo compressor de “Roots Bloody Roots”, que dispensa comentários sobre o quão devastador foi estar ali naquele momento.
Como a turnê ainda está na metade, acredito que os membros da banda ainda não demonstraram em suas feições qualquer sentimento de tristeza, apesar de sempre mencionarem nas entrevistas que essa turnê é uma celebração da carreira de maneira única, positiva e vibrante. Mas Derrick e Andreas deram para sacar nitidamente alguns traços de emoção. Será mesmo o fim?
É, meus caros leitores, se este foi o último show solo da banda, eu prefiro acreditar que não. Mas, se for, eu realmente celebrei cada instante ali presente. Mais de 35 anos dedicados a essa que um dia eu bradava aos quatro cantos como “A MINHA BANDA FAVORITA”. Não gostaria de voltar no tempo, pois correria o risco de não ser tão bom quanto foi na linha do tempo natural.
Obrigado, Sepultura, por uma noite que eu jamais esquecerei, mesmo que nesse mesmo dia eu não estivesse muito bem psicologicamente, pois tinha acabado de perder um grande amigo! Te dedico essa noite incrível e as minhas palavras de alegria e empolgação nessa resenha, Luiz Amadeus! Descanse em Paz, meu amigo!
Setlist Sepultura:
Refuse/Resist
Territory
Slave New World
Phantom Self
Dusted
Attitude
Breed Apart
Kairos
Means To An End
Sepulnation
Guardians Of Earth
Mind War
False
Choke
Escape To The Void
Kaiowas
Dead Embryonic Cells
Biotech Is Godzilla
Agony Of Defeat
Orgasmatron
Troops Of Doom
Inner Self
Arise
Ratamahatta
Roots Bloody Roots