Deep Purple – “=1” (2024)
earMusic
#ClassicRock #HardNHeavy #Rock
Para fãs de: (desnecessário, mas…) Rainbow, Uriah Heep, UFO, Nazareth, Led Zeppelin
Texto por Sérgio Henrique dos Santos
Nota: 9,0
Em 1994 o relacionamento entre Ritchie Blackmore e seus colegas havia atingido o limite do suportável, resultando em sua capitulação para seu eterno arqui-inimigo Ian Gillan, que venceu a guerra civil pelo controle do grupo. O sonho da continuidade da formação mais clássica chegava ao fim, em meio a episódios dignos de sitcom (um prato de macarrão com catchup sendo arremessado na cara que o diga!), e a célebre MKII estava definitivamente enterrada.
Para seguir em frente, Gillan, Roger Glover, Jon Lord e Ian Paice convidaram (após uma rápida ajuda de ninguém menos que Joe Satriani em alguns shows) o norte-americano Steve Morse, conhecido por suas participações no Dixie Dregs e Kansas, mas muito respeitado, principalmente no meio dos guitarristas virtuoses, pelos seus trabalhos solo instrumentais.
De estilo muito diferente de Blackmore, a contratação de Morse se mostrou um acerto em Purpendicular, um álbum que trouxe um Deep Purple reinventado. Sem o estresse das brigas e clima ruim interno os caras reencontraram a alegria de gravar e tocar em conjunto. Ainda que uma parcela dos fãs que considera Blackmore imprescindível rejeite, de antemão, qualquer lançamento sem ele, Purpendicular foi bem recebido pela maioria, não sendo hoje exagero classificá-lo com um clássico.
Eis que o tempo passou e, durante quase trinta anos (!) tivemos a “fase Steve Morse”. Um grande mérito foi continuarem a compor e lançar material novo, ainda que ao vivo os setlists sofressem da inevitável predominância dos hits dos anos 70. Esse período é marcado por um som “americanizado”, com menor dependência de riffs e nem tantos duetos de guitarra e teclado, que sempre foram uma das marcas do auge deles. Não que esses elementos tenham desaparecido, mas certamente deixaram de ser prioritários. Blackmore trazia todo um lado neoclássico e europeu, enquanto com Morse o som pendia para uma coisa mais blues, (supostamente) com mais “feeling”.
Foram muitos trabalhos de estúdio nesse sentido. Alguns se destacam, com o já citado Purpendicular (1996), excelente, e Bananas (2003), esse último com material incrível, mas, infelizmente, sabotado por um título e capa ridículos. Na última década, Now What?!, Infinite e Whoosh! vieram todos no mesmo nível: bons/ótimos, mas sem brilhantismo. Assim como é demonstração de má vontade ignorar ou menosprezar esses discos mais recentes, é verdade, também, que eles pouco contribuíram para adicionar clássicos no tracklist de qualquer fã. Alguns momentos chegam perto, como a emocionante Uncommon Man, homenagem ao falecido Jon Lord, mas para cada uma dessas há várias outras “bem legal, mas já esqueci”. E, a cada lançamento, havia uma expectativa de que seria o último (reparou como os títulos seriam adequados a uma provável despedida?), então acontecia também uma reflexão do tipo “o que vier agora já é lucro”.
Em 2022, a reviravolta: Steve Morse anunciava seu desligamento, para cuidar da esposa (infelizmente, falecida meses depois). Essa foi a nobre justificativa oficial à época, mas, recentemente, Roger Glover admitiu que a separação não foi tão amistosa assim: houve um desgaste interno, com um exausto Morse pedindo o encerramento das atividades já há alguns anos, e os outros querendo continuar a carreira até quando a saúde permitisse. Surpreendente, já que quem está beirando os oitenta anos é o incansável trio Gillan, Glover e Paice. E assim, o guitarrista que ajudou a banda a não acabar em 1994, entrando, agora fazia o mesmo… saindo.
Havia uma agenda a cumprir, e o novo contratado da vez foi Simon McBride. Bem mais jovem e pouco conhecido do grande público, mas não um estranho para o grupo, porque já havia trabalhado com Don Airey.
E, mais uma vez em sua história, o Deep Purple precisava se reinventar. Já passaram por isso várias vezes na carreira, como na primeira saída de Blackmore (substituído pelo prodígio Tommy Bolin), nas duas demissões de Gillan e depois nos anos 90. Mas agora, no apagar das luzes da carreira, o contexto imposto pelo tempo e envelhecimento natural não deixa tantas opções e perspectivas. Será que apenas cumpririam os últimos compromissos e aceitariam o fim?
A impressão que tive, confesso, foi que sim, que agora a banda havia chegado ao limite e não haveria mais tempo nem disposição para nada além de alguns shows de despedida, com McBride meramente tapando um buraco, sem abertura e sem tempo para contribuir com nada, feito um jogador que entra aos 52 do segundo tempo só para cumprir tabela.
Mas não era isso que os velhinhos tinham em mente. Assim como a chegada de Morse os animou em 1994, agora foi McBruide que teve a função de revigorar, de “dar um gás extra” aos craques veteranos. O entrosamento entre eles e o “moleque novo” foi tão evidente nos palcos que seria um desperdício ficarem restritos a um punhado de shows com material antigo. As ideias boas apareceram e o resultado delas é compilado nesse excelente =1 (pode ser lido como Equals One).
A produção ficou a cargo, mais uma vez, do amigo e também veterano Bob Ezrin. O título e a capa são extremamente minimalistas, mas o que se escuta é um Deep Purple longe de ser melancólico ou simplista: estão soando muito mais vivos e pulsantes. Talvez desde Bananas eles não pareciam tão vibrantes e animados. Isso já aparece na faixa de abertura, a swingada Show Me, com uma quebrada rítmica que vai grudar na sua cabeça igual a Ted The Mechanic em 1996. E o cartão de visitas de McBride já aparece em seu solo, em um ótimo dueto com Don Airey.
Aliás, esse último está mais em evidência: há muito tempo os teclados e órgãos não ganhavam tamanho destaque, com momentos que fogem do mero acompanhamento protocolar e remetem ao rock progressivo e àqueles sons típicos que quem aprecia rock dos anos 70 adora.
A parceria Airey / Mcbride continua seu show particular na segunda, A Bit on the Side, dessa vez auxiliados pela dupla de Ians mais mortal do rock: a quebradeira sempre certeira de Ian Paice e um Ian Gillan com uma voz que nem parece ser de um quase octogenário.
Sharp Shooter e Portable Door trazem o som típico do Purple, com referências até óbvias a clássicos, mas sem aparência de velharia. E com McBride não deixando qualquer dúvida sobre sua capacidade: o cara é muito, muito bom!
Só por essas quatro músicas iniciais já seria possível concluir que a química funciona, o entrosamento e empolgação são quase palpáveis! Mas ainda há espaço para mais energia nesse começo. Old-Fangled Thing é um dos momentos com levada mais rápida, com a bateria bem alta guiando o ritmo e Gillan arriscando, bem de leve, um dos seus lendários agudos no final. Uma verdadeira viagem ao som dos anos 70, só que com gravação moderna.
If I Were You é a primeira balada. Nas primeiras audições ela pode ser menosprezada, por vir logo em seguida a cinco pedradas. Mas escute com atenção e repare no belíssimo solo de McBride e a parte final, com um backing vocal bem interessante. Baladas tem uma facilidade enorme de se transformar em interrupções medíocres, mas não é o caso dessa aqui.
Pictures of You tem todo o jeito de hit de rádio. Outra com show à parte de Ian Paice, pode conferir! E o finalzinho climático e misterioso faz a emenda com Im Saying Nothin, que traz novamente o peso do hard rock e tem o solo transformado em uma ótima mini jam session entre Paice, Airey e McBride.
Em Lazy Sod, com uma levada meio Black Night, novamente aparece um Don Airey arrebentando tudo no teclado. E na seguinte, a rápida Now You’re Talkin, temos o mais próximo que poderiam chegar hoje em dia de uma Highway Star. O vigor não é o mesmo de cinquenta anos atrás, mas essa “neta” do clássico empolga até o Gillan, que chega o mais perto possível das suas performances mais icônicas.
No Money To Burn é outra com forte pegada Hard. Simples, carregada por um riff de teclado e guitarra, enquando Paice quebra tudo ao fundo e prepara um solo nervoso de Airey. I’ll Catch You é a segunda balada, essa já na manjada fórmula consagrada por Sometimes I Fell Like Screaming. Mas, diferente do que ocorre com If I Were You, não há nada aqui que chame muito a atenção, sendo apenas uma balada passável.
E o melhor ficou para o final, com a espetacular Bleeding Obvious. Após tantos pontos positivos, não esperava um encerramento tão grandioso. Essa pérola possui uma estrutura de prog metal, com semelhanças a Iron Maiden e até, quem diria, Dream Theater. Além de bastante pesada, é também a mais sofisticada, com um riff marcante (que lembra Rapture of The Deep e outras) e quebras de ritmo surpreendentes em seus quase seis minutos da composição. Na metade há uma parte mais lenta, linda e nostálgica, em que é citado o significado do título do álbum, com uma participação tocante do Sr. Gillan. Uma música que não passa batido.
A assinatura do Deep Purple está 100% presente não apenas nessa última faixa, que vai pegar muita gente de surpresa, mas ao longo de todo o álbum. Steve Morse merece eterna gratidão pelo que fez quando entrou para o time, e seu legado jamais será apagado, assim com o dos gênios Ritchie Blackmore e Jon Lord. Agora temos um novo e inesperado herói em campo e, se =1 for o último registro em estúdio, terá sido um encerramento absolutamente primoroso.
E que venha +1!