Iron Maiden – MotorPoint Arena, Nottingham, Inglaterra (03/07/2023)
Texto e fotos por Ivan Luiz de Oliveira

Poucos acreditavam há algum tempo, ainda mais depois da turnê Somewhere Back In Time, que o lendário Iron Maiden revisitaria um de seus melhores e mais icônicos álbuns, porém, um tanto quanto esquecido, o maravilhoso “Somewhere In Time”.
Na última perna de turnê Legacy Of The Beast, Bruce Dickinson começou a soltar muitas frases com referências a esse disco, fazendo os fãs desenvolverem uma série de teorias que iriam resgatar sons desse clássico, e, para outros, que finalmente a épica e sonhada “Alexander The Great” seria tocada finalmente ao vivo, fato inédito na história da Donzela, visto que nunca tocaram um tema que não foi executado na turnê do próprio disco.
Tão logo terminou a Legacy Of The Beast, e os boatos se multiplicavam, foi anunciada a The Future Past Tour, com o Eddie estilizado entre as artes do “Senjutsu”, último lançamento da banda e finalmente o Eddie Ciborg de “Somewhere in Time”.
Existem poucas bandas no mundo com fãs (seguidores) tão aficionados como o Iron Maiden, e até o dia da primeira data, centenas de teorias, milhares de discussões sobre o possível set, e se “Alexander The Great” seria tocada, povoaram fervorosamente por toda internet. E, sabemos que em termos de set list, no geral, os ingleses são bem burocráticos.
A banda, que começou a usar um pouco melhor suas redes sociais, foi divulgando em tempo real o que era tocado no primeiro show na Eslovênia, e para a surpresa de muitos, o set contava com algumas surpresas, como por exemplo, trocando quase todas músicas até então tocadas ao vivo do “Senjutsu”, adicionando “The Prisoner”, o quarentão “The Number of the Beast” e confirmando, enfim, a presença de “Alexander The Great”. O sonho dos fãs estava sendo realizado, e a turnê, que já contava com quase todas as datas esgotadas, teve uma procura ainda maior, concluindo-se com apenas um concerto que não estava lotado.
Isso explicado, vamos agora ao concerto que o Metal Na Lata esteve presente.
No Brasil, principalmente em São Paulo, o Iron Maiden é uma banda gigantesca, por isso, sempre toca em estádios. Ter a oportunidade de vê-los em um lugar menor, com capacidade para 8.500 pessoas, foi algo totalmente diferente.
A abertura ficou a cargo da banda Lord of the Lost, com um som meio gótico industrial. O visual meio andrógino não é muito o que o headbanger padrão está habituado, porém, em nenhum momento houve qualquer negatividade em relação aos alemães. Na verdade, a recepção flutuou entre fria e desinteressada, com alguns poucos momentos de empolgação por parte do público. Há de se dizer que a banda tem algumas boas qualidades, mas acho que não é uma combinação que se encaixa bem com heavy metal tradicional.
Vamos à atração principal, que é quem realmente atraiu os presentes. Exatamente às 20h50, as luzes se apagaram e iniciou-se a introdução clássica com “Doctor Doctor” do UFO, cantada em uníssono. Logo após, o que todos pensavam ser um sonho começou a se tornar realidade, a trilha sonora do filme Blade Runner, de 1982, composta por Vangelis, toca nos amplificadores e todos, em espécie de transe, aguardam a entrada da banda.
O clima estava pronto, quando finalmente, iniciam-se as primeiras notas de “Caught Somewhere In Time”, não tocada desde 1986. A sensação é indescritível, pois poder presenciar um clássico não tocado há quase 40 anos não tem preço. A performance da banda estava impecável, mesmo com algumas partes da bateria um pouco mais simplificadas (totalmente normal, visto que Nicko McBrain é o mais velho da banda). Bruce também estava cantando um pouco diferente do estúdio, possivelmente para se sentir mais confortável, pois, ao longo de todo o show, ele mostrou que o fôlego está em dia.
Na sequência, outra pérola que a maioria dos fãs brasileiros nunca viu ao vivo: “Stranger In A Strange Land”. O baixo marcante dessa música e o clipe bastante executado na época do Fúria MTV ainda são marcantes, e foi ótimo ver um dos solos mais brilhantes da carreira de Adrian Smith ao vivo. Na verdade, abrindo um pequeno parêntese no texto, a maioria sabe que o “Somewhere In Time” foi o disco em que Adrian Smith mais teve participação, com um papel fundamental como compositor em 1986, inclusive nos b-sides. Portanto, como não poderia deixar de ser, o show teve no guitarrista um dos seus protagonistas, solando em nada menos que 12 das 14 músicas.
E outro que não poderia deixar de aparecer é Eddie, com o figurino ciborgue. O gigante fez todos vibrarem com sua primeira participação.
Para quem acompanha a banda há anos, ou décadas, sabe o quanto eles são conservadores, e ver a utilização de dois pequenos telões laterais ao lado do backdrop mostra mais uma mudança que trouxe um impacto visual positivo.
Retomando, aqui se inicia uma parte do último lançamento, “Senjutsu”. Muitos fãs, ou ex-fãs, têm reclamado do direcionamento do Iron Maiden desde a volta de Bruce Dickinson, principalmente após o álbum “A Matter Of Life And Death”, de 2006, por músicas mais longas e mais “progressivas”. A opinião deste quem vos escreve é que isso não irá mais mudar, então, para quem não gosta dos últimos discos, é tentar apreciar os sons nos shows, ou então, descansar nessa parte. Como faço parte do primeiro grupo, tivemos “The Writing On The Wall”, que já havia surpreendido desde o lançamento, com seu início meio folk e um refrão que cativou, visto que o público cantou fortemente. Sendo repetitivo, novamente o solo de Mr. Smith é um dos destaques dessa música, com sua belíssima melodia e cadência.
Na sequência, todos os sons do álbum foram inéditos ao vivo, começando por “Days Of Future Past”, música que dá nome à turnê, e uma das curtinhas do disco. Esse som ao vivo ganhou muito mais corpo, as guitarras parecem ter tomado mais espaço, ganhando peso. Não é um som inesquecível, mas foi uma interessante inclusão, assim como “The Time Machine”, que também está ligada à temática da turnê. Esse som dividiu opiniões, alguns gostaram, outros odiaram, principalmente pelo início que demora um pouco a engatar, mas a recepção do público também foi boa.
Vamos aproveitar para falar um pouco do público. A experiência de um show internacional é inteiramente diferente. Como dito no início, esse foi um dos menores shows da turnê, com menos de 10 mil pessoas, mas local super adequado, com excelente visão e acomodação para todos os presentes. O público inglês canta, aplaude e grita, mas acredito que seja uma característica cultural não ter toda aquela agitação, vibração, que estamos acostumados aqui no Brasil e na América Latina. No geral, os fãs da banda são pessoas de meia idade, alguns até mais velhos, mas é sempre interessante notar que tem uma garotada presente, e, voltando, são eles que mais gostam das músicas novas, como “The Time Machine”. Outro destaque para a melhoria com os cuidados cenográficos é o Eddie Samurai, extremamente bem-feito e até mesmo realista.
Agora, vamos ao contraponto, quando começa a locução de Patrick McGoohan entoando “I am not a number, I am a free man”, deu para ver um sorriso estampado no rosto dos mais velhos. Era uma das maiores surpresas do set list: “The Prisoner”. Com seu início marcante na bateria, ela está com uma levada mais lenta que no estúdio, mas com seu peso de sempre e representando muito bem como a única faixa do “The Number of the Beast”. Isso também foi muito comentado pelos fãs, o descanso a faixas como a própria “The Number Of The Beast”, “Run to the Hills” e “Hallowed Be Thy Name”. Para quem acompanha de perto a banda, essa oxigenação foi muito positiva, mas devo afirmar que ao final do show, algumas pessoas questionaram se não voltaria para tocá-las.
Mais uma do novo disco, “Death Of The Celts”, e possivelmente, uma das que menos esperavam ser executadas, porque além de não ser uma das mais elogiadas, ela quase que estava entre as descartáveis, e nesse ponto é muito interessante afirmar como uma banda consegue mudar uma versão de estúdio para o ao vivo. A interpretação de Bruce Dickinson criou todo um clima para a música, e mesmo ela sendo longa, a parte instrumental segurou bem a ambientação feita no cenário, com gelo seco. Devo admitir que ficou excelente. Para mim, em termos de expectativa x realidade, foi a grande surpresa positiva.
As duas seguintes, “Can I Play With Madness” e “Heaven Can Wait”, voltaram a fazer os mais experientes cantarem alto seus refrões, e por mais que alguns preferissem algo diferente, ali na arena, a banda sente que esses hits ainda causam grande impacto. E a parte teatral também continua em alta, numa troca de tiros laser entre Eddie Ciborgue e Bruce Dickinson, com direito a um canhão futurista e muitos efeitos especiais.
A arena tem suas luzes diminuídas para aquele que possivelmente é o momento mais esperado do show, e por que não, de anos para muitos fãs da banda. Inicia-se a locução com a frase de Filipe II para Alexandre: “My son, ask for thyself another kingdom. For that which I leave is too small for thee”.
O local ficou em silêncio, como se ainda não acreditasse no que iria acontecer, até que Bruce inicia a cantar “Alexandre The Great”, uma das mais belas obras da discografia da banda e o único épico dos anos 80 ainda não tocado ao vivo. Essa foi absoluta, jovens, velhos, todos estavam hipnotizados e a execução foi perfeita, em todos os pontos, não deixando em momento algum toda a grandiosidade da obra ficar aquém da performance. O refrão foi cantado em uníssono por todo o público e finalmente, depois de 37 anos, ela estava sendo tocada em uma turnê.
O show poderia terminar de forma épica aqui e todos sairiam felizes. Mas não terminou, ainda tinha aquelas duas que jamais sairão do setlist, “Fear Of The Dark”, que por mais que alguns estejam enjoados, é sempre um dos pontos altos do show em relação à reação do público, com seu coro sendo ouvido em cada canto do local. E a homônima “Iron Maiden”, para fechar o show antes do bis. Um adendo, o Eddie Samurai inflável atrás da bateria ficou extremamente bem-feito.
Antes do retorno, um pouco mais sobre a performance da banda. Levemos em conta que esses caras estão na estrada há quase 50 anos, e todos na faixa dos 60 e 70, e o Iron Maiden sempre foi famoso por suas performances energéticas. Então, é normal entender que o ritmo vai diminuindo e ficando mais lento.
Mesmo assim, ainda estão em altíssimo patamar, melhor do que inúmeras bandas com músicos mais novos, tanto na parte de performance física quanto musical. Steve Harris segue sendo um frontman, mesmo não o sendo. Bruce Dickinson foi elogiado recentemente pelo líder do Annihilator, Jeff Waters, como ainda um dos melhores vocalistas de metal da atualidade, e não há como discordar dele, o cara é uma lenda. Sobre Adrian Smith já falamos, esse show tem tido uma série de destaques para sua conta. Dave Murray segue com sua elegância, tocando sem esforço, mesmo que pareça cada vez mais “tímido” no palco,. Sempre com um sorriso no rosto, mostrando prazer de estar ali, o guitarrista não parece ter muita cara que quer se aposentar, como saíram algumas fofocas por aí.
Janick Gers continua com suas acrobacias e malabarismos de sempre, que os mais novos gostam bastante, mas não agrada tanto os saudosistas que cresceram com a banda tendo uma dupla de guitarras. E o integrante mais velho do sexteto, Sir Nicko McBrain, com certeza é um dos músicos mais simpáticos do metal, sempre muito querido pelo público. Ele segue fazendo seu trabalho muito bem executado, simplificando alguns trechos, mas nada que comprometa o espetáculo. Logo, por mais que digam que o fim está próximo, e pode estar mesmo, ainda tem alguns anos de bom nível pela frente.
Voltando ao show, após aquela pausa do bis, que todos sabem que a banda irá voltar, eles trazem mais um tema do “Senjutsu”, e a mais esperada e elogiada música do disco por grande parte dos fãs, a grandiosa “Hell On Earth”. Essa música tem tudo para se tornar um novo clássico, com o dedilhado de baixo no início, variações de andamento, riffs grudentos, base cavalgada e um ótima melodia. Outra parte que empolga é o retorno de Bruce cantando quase agressivamente após a parte mais atmosférica central da música. Soma-se a tudo isso o jogo de luzes e fogo feito na cenografia, e tudo ficou teatral e grandioso. Excelente.
Encaminhando-se para o final, “The Trooper”, que sempre conta com o coro do público, e para fechar a mais famosa música do “Somewhere In Time” e um dos maiores clássicos da Donzela, “Wasted Years”, que além de proporcionar um excelente fechamento para o show, tem em sua letra uma mensagem para aproveitar o tempo, não desperdiçá-lo, pois poderá ser perdido.
Foi um show à altura dessa que, sem dúvida, é uma das maiores bandas de metal de todos os tempos, e continua aí, com um sucesso avassalador, fazendo valer a pena gostar desse tal de Rock N’ Roll.

















