Mortiis e Nytt Land – House of Legends, São Paulo/SP (06/02/2025)

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Mortiis e Nytt Land – House of Legends, São Paulo/SP (06/02/2025)

Produção: Caveira Velha Produções

Texto por Wallace Magri
Foto Nytt Land por Naiara Pontinha (@pontatts)
Vídeos por Disconecta Videos

Em 2021, escolhi aleatoriamente um álbum para resenhar, entre as centenas que são enviadas para a redação de webzines mensalmente. Quem me conhece sabe que eu sou chegado em Shamanismo, especialmente quando se trata de um Ritual que dialoga com guerras e conexões etéreas, remetendo a tempos imemoriais. Por falar nisso, em 2019, eu fiz a resenha de “The Gereg”, do The Hu para o Metal Na Lata, também que segue em linha semelhante ao Nytt Land.

Quando vi a divulgação de que Nytt Land viria para a América do Sul, junto com o Mortiis eu pirei. Achava improvável que um maluco da Noruega – Håvard Ellefsen – e uma trupe exótica da Sibéria viriam se enfiar na América do Sul, em pleno calor infernal do verão por estes lados, vindos do inverno congelante do Norte da Euroasia!

E foi exatamente isso que aconteceu: as bandas fizeram shows em diversos países da América do Sul (Chile, Colômbia – 3 apresentações – Argentina e Brasil), ovacionados em todos os concertos aqui na América do Sul.

Mas, certamente, o show em São Paulo será aquele que as bandas jamais se esquecerão e vou te contar por quê.

O House of Legends é uma casa de shows bem decente para bandas que atraem cerca de 150 a 250 fãs, localizado na região Oeste de São Paulo – lotada de botecos, bares e casas de balada para todos os gostos, é tipo o epicentro de pessoas de classe média alta curtirem à noite.

A estrutura de palco é ampla o bastante, mesa de som moderna, PA’s nem tão decentes assim e iluminação a contento. A pista é ampla e tem um camarote para quem prefere assistir aos shows, enquanto comem uma porção de pasteizinhos e tal.

Cheguei na hora marcada para o credenciamento da imprensa e já fui logo para a frente do palco. O show do Nytt Land estava marcado para as 20hs e o Mortiis subiria ao palco às 21h30 – numa terça-feira era horário perfeito, especialmente para os fãs que teriam que trabalhar cedo no dia seguinte.

Como disse, estava na frente do palco, conversando com o pessoal da imprensa quando, para nossa surpresa, as luzes se apagaram, o ar-condicionado parou de funcionar e as luzes de emergência se acenderam. Como sou meio ‘brisado’, nem me liguei, fiquei exatamente onde estava, Aí o calor foi ficando insuportável e resolvi ir para o lado de fora para tomar um ar. Foi então que uma moça me disse que tinha caído um temporal de proporções estratosféricas – como vem acontecendo em São Paulo nestes últimos tempos. As luzes da rua se apagaram, os botecos fecharam e o caos dominou a região Oeste.

O responsável mandou vir um gerador para não cancelar o show, o que demorou cerca de DUAS HORAS para chegar e começar a funcionar. Os protocolos de segurança de casa de espetáculo foram para ‘cucuias’ e, aos poucos, a aparelhagem começou a voltar! Já eram 22h30 e, para ajudar a equipe de apoio da casa demorou mais uma horinha para conseguir cabear os instrumentos. O integrante do Nytt Land, notando que para tudo se dá um jeitinho no Brasil, foi para o palco e ajudou os caras a consertarem o retorno de Anatoly Pakhalenko, no alto de seus 2 metros de altura. Mas estava de boas.

Uma pena que muitos fãs acabaram indo embora, porque era bem provável que o show poderia não ocorrer. Eu esperei, esperei, até o Nytt Land subir ao palco às 23h!!!! A última vez que suportei um atraso destes foi em alguns shows do Guns N’ Roses, mas deixa isso para lá (risos)

O Nytt Land preparou para a América do Sul a execução dos álbuns “Torem” e “Ritual”, o álbum que eu havia resenhado e colocado como o segundo melhor álbum de 2021 e ouvi essa para paradinha por quatro meses praticamente todos os dias, naquela época da pandemia.

Nytt Land

O Nytt Land é uma banda de Dark Shamanic Ritual, baseada em cantos ancestrais acompanhados por instrumentos que são próprios de sua terra natal. Ou seja, nada de guitarra, baixo e bateria. Ao invés disso, tocam Tagelharpa, tambor xamã, lira karvic e uma oscilação entre vocais etéreos e poderosos throat singing (se não sabe o que são esses instrumentos, o Google te ajudará), buscando conexão com a natureza e com instrumentalização bem pesada e carregada de tons graves e exóticos.

Além dos cantos próprios de sua região de origem, também se apoiam em canções baseadas na Poetic Edda — o nome moderno para uma coleção sem título de poemas anônimos da mitologia nórdica antiga, que remonta à tradição shamânica do século X — em uma atmosfera etérea criada por cantos atmosféricos, sinos, flautas e percussão compassada, conduzindo o Ritual até Valhalla, sem temer o Mal.

O show se inicia com “Ritual” e, logo na primeira música, o retorno de Anatoly volta a ter problemas e, após cinco minutos, o show começa, enfim. Reiniciam com “Ritual” novamente e logo a figura de Natalya Pakhalenko no centro do palco chama atenção, por sua vestimenta típica e o rosto coberto por o que chamamos por aqui de dread locks. Sensacional. Seus vocais precisos chamam por forças etéreas, enquanto acompanha a condução das músicas empunhando um tambor, parecido com aqueles que são tocados em rituais shamanicos aqui da América do Sul.

Sim, Anatoly e Natalya Pakhalenko são um casal, que decidiram formar uma banda atípica por volta de 2013, semelhante ao Warduna e congêneres. São bem recebidos por todos os países em que tocam (em especial Europa), pela qualidade e originalidade de suas músicas. Um músico convidado conduziu os instrumentos percussivos (nota – não encontrei o nome desta figura em lugar nenhum), em perfeita sintonia com os demais instrumentos e destacando ainda mais os tons graves, que chamam os elementos da terra para se fundirem aos cantos etéreos de Natalya. Anatoly, por sua, é incorporado por algum espírito nórdico, dando a impressão de que toca seus variados instrumentos conforme os elementos da natureza vão lhe guiando, conferindo ainda mais intensidade ao show.

“U-Gra”, influenciada por cantos ancestrais, dos guerreiros que mantinham sua região contra os ataques de outras tribos, graças à força de combate, os quais eram antecedidos por cantos que chamam as forças da natureza para torná-los ainda mais irascíveis durante a batalha.

A energia colossal das músicas da banda domina o público, que participa do transe operado em cima do palco, quer queiram ou não. Alguns na plateia batiam palmas entre as músicas, o que me parece um engano diante de um Ritual propriamente, que deve ser acompanhado em silêncio, com aplausos apenas ao final do concerto. Enfim…

Após o solo de flauta de Antatoly, a apresentação do Nytt Land caminha para o fim, com “Birth of Shaman”, que vai na linha da proposta musical da banda. Ao final, os integrantes da banda saúdam a plateia abraçando-se e ajoelhando-se com força e devoção, em gratidão aos presentes. Infelizmente tiveram que encurtar o show, cortando praticamente metade das músicas que habitualmente apresentam (nota – apesar de adorar a banda, posso ter falhado na nomenclatura de algumas músicas).

Usando apenas uma palavra para definir o show: perfeição.

Mortiis

Håvard Ellefsen – vulgo Mortiis – também aceitou fazer seu show, ainda que bem mais tarde do que previsto. A esta altura eu já havia perdido a noção de tempo, mas acho que ele entrou no palco por volta da meia-noite,  para executar ambient songs sem outros integrantes, acompanhado apenas de seu Dungeon Synth, saturado e, por vezes tão atonal que desafiava os presentes a assimilarem a estilística peculiar do Mortiis com a indumentária típica da terceira fase da banda.

Para quem não se recorda, o músico foi baixista e letrista do Emperor, no início dos anos 90. Após este período desenvolveu e fez parte de diversos projetos caminhando sua sonoridade mais electro-ambiente. No início deste milênio, já adotando Mortiis como seu nome artístico, adotou o Industrial Metal como o estilo musical da banda – quando passou a ter contato com a banda inglesa de Industrial, Combichrist, partindo para diversos remix de suas músicas daquela era.

Nunca satisfeito com a qualidade de seus álbuns, trouxe ao palco as duas músicas do álbum “Født Til Å Herske”, Part 1 e 2 (do álbum lançado há 30 anos). Considerando o som ambiente destes músicos, o clima do show foi um misto de sonoridades experimentais, sem a adição de nenhum outro instrumento.

A face de Mortiis era difícil de ser notado pelo gelo-seco e coloração violeta ao longo de toda a apresentação. O que me levou a ficar pirando no órgão/synth pelo qual era possível notar nuances de músicas ambientais e algo como a trilha sonora para um filme bizarro – sem cantar uma linha de vocais durante toda sua apresentação, que deu sequência ambiental para sua ritualística, tal qual o Nytt Land, com as devidas diferenças de proposta musical.

O show insano e ambiental do Mortiis foi até uma hora da matina, sem que o músico se abalasse por todo o caos da natureza que antecedeu os shows, que foi brilhante, especialmente para quem tinha familiaridade com a inspiração que faz Mortiis tocar, por meio de seu órgão synth, de acordo com seu estado criativo, fortemente pautado no estado de alma do músico.

Definindo em uma palavra: impressibilidade caótica.

Infelizmente, fotos para esse show foram praticamente impossíveis por conta da “iluminação”

Como eu disse, o show desta noite será inesquecível para as bandas, em virtude do perrengue que passaram ao longo de cinco horas em que a chuva avassaladora também quis participar, deixando claro que não temos poder, diante da impiedade da natureza.

Aplausos à produção pelo esforço, e ao Nytt Land e Mortiis, que não arredaram o pé do House of Legends até conseguirem apresentar ao público brasileiro o show pelo qual os fãs fiéis aguardavam. Atitude de músicos íntegros e que relevaram que a noite turbulenta não estaria acima da gratidão e expectativa de seu público!

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