Raven – Jai Club, São Paulo/SP (22/09/2024)
Produção: Caveira Velha Produções
Texto e fotos: Matheus “Mu” Silva
Após dois anos, tendo seu último show sido realizado no Setembro Negro Festival e marcando sua sétima passagem por aqui, o Raven retornou ao Brasil. Desta vez, com uma turnê maior pelo país, passando pelo Rio de Janeiro (19), Belo Horizonte (20) e Fortaleza (21), antes do show em São Paulo (22), ocorrido na Jai Club, casa que tem recebido cada vez mais shows de metal, desde o tradicional até o mais extremo. Com produção da Caveira Velha, o evento seguiu o padrão da produtora, abrindo espaço para várias bandas. Isso não só movimenta a cena, mas também faz com que as bandas alcancem um público maior, o que no final das contas beneficia a todos. A escolha das bandas foi interessante, marcando o retorno de nomes tradicionais do Heavy Metal paulista, o que tornou o evento uma celebração digna do estilo.
Comemorando 50 anos de existência em 2024, o Raven, formado em 1974, é um dos nomes mais antigos da NWOBHM ainda na ativa. A banda atravessou as décadas influenciando várias outras, especialmente da cena Thrash Metal do começo dos anos 80, que pegaram a fórmula do Raven e a elevaram à décima potência. Isso ficou claro no álbum “Wiped Out” (1982), que já flertava com elementos do gênero. O Raven foi formado pelos irmãos John Gallagher (baixo/vocal) e Mark Gallagher (guitarra/vocal), que permanecem juntos desde o início até hoje, com mudanças apenas no baterista. Atualmente, a banda conta com Mike Heller, desde 2017. Com seu estilo conhecido como “Athletic Rock”, lançaram seus principais álbuns ainda na década de 80, como “Stay Hard” (1985), “The Pack is Back” (1986) e “Life’s a Bitch” (1987), sem esquecer o clássico “All for One” (1983), disco que projetou a banda no mercado americano e ajudou a alcançar maior sucesso. Curiosamente, uma banda então desconhecida chamada Metallica abriu os shows do Raven durante sua primeira turnê norte-americana divulgando esse disco.
Fato curioso: A história na música pode ser ingrata às vezes. O Metallica conseguiu se projetar nos EUA graças àquela turnê com o Raven, mas, em 2014, foi o Raven quem abriu o show do Metallica em São Paulo. Além disso, o som da banda estava péssimo (praticamente só era audível para quem estava na pista Premium). O público, em sua esmagadora maioria, nem sabia de qual banda se tratava. Nos bastidores, o Metallica postou uma foto de seus membros juntamente com o Raven, todos alegres por novamente dividirem o palco com seus heróis de adolescência. A vida, como ela é.
A casa abriu cedo, às 15h30, e meia hora depois iniciou-se a apresentação da banda mais “nova” do evento, a Blixten. Na ativa desde 2013, formada em Araraquara/SP, fizeram um set de aproximadamente 40 minutos, com destaque para as faixas “Like Wild”, “Stay Heavy” e “Black Diamond”. Após um pequeno problema técnico depois da terceira música (que a vocalista, em tom de brincadeira, disse que sempre acontece em seus shows), a banda seguiu firme, contando ainda com a participação de Pedro Zupo, do Living Metal, durante a faixa “Powerflow”. São uma banda jovem que se diverte muito no palco, mesmo diante de um público relativamente pequeno, que ainda estava chegando devagar. Com seu Heavy Metal tradicional, liderado pela performática vocalista Kelly Hipólito e contando com Aron (baixo), Eurico (guitarra) e Larissa (bateria), eles ajudaram a reafirmar que o atual momento do Heavy Metal nacional tem muito a oferecer. Vale a pena acompanhar o som da banda, ainda mais em tempos em que as mulheres estão conquistando cada vez mais espaço na cena e entregando material de qualidade. Ah, e já passou da hora de lançarem seu primeiro álbum, que certamente coroará o bom trabalho que vêm realizando.
Com banner, bandeira e um escudo com runas no bumbo, e após um leve atraso, às 17h10, a veterana banda Clenched Fist subiu ao palco, saudando a todos os “demônios” presentes e mandando músicas como “Spirit of Death”, “Bang Your Head” e “Codex Gigas”, para a alegria da velha guarda, que já estava em maior número na casa, que agora estava mais movimentada. Fundada em 2000 e com dois álbuns lançados, “Tribute to The Brave Ones” (2008) e “The Gift of Death” (2012), a banda é um dos nomes mais tradicionais da cena paulista, com Vagner (vocal), Juninho (guitarra), Luiz (baixo) e Herton (bateria). Ainda apresentaram duas músicas de seu próximo álbum, intitulado “Máquina Letal”, tocando “Underground” e “Flagellum Dei”, sendo esta última baseada em Átila, o Huno. Por conta do tempo apertado, a banda ia tocar duas músicas, mas pôde tocar apenas uma, encerrando com a furiosa “Speed Metal Attack”, fazendo o público cantar o refrão em uníssono.
Marcando o primeiro retorno da noite, a banda de Osasco/SP Conquistadores subiu ao palco às 18h, com uma marcha inicial, já declarando a primeira música do set, “Morte aos Falsos”, cantada pelo vocalista Alan e muito bem recebida pelo público. Nesse retorno aos palcos, após seis anos, a banda tocou músicas de seu único Full Length até o momento, “À Beira da Loucura” (2013), com Alan cantando as três primeiras músicas, seguido por “Lutar e Conquistar” e a faixa-título, cantada por muitos. Após essa sequência, chamaram ao palco o “Alemão”, atual vocalista da banda, para cantar mais três músicas do debut, sendo “Poder e Glória”, “Com Sangue se Paga” e “Inimigo da Noite”. No final, os dois vocalistas cantaram juntos “Guerreiros do Metal”, finalizando um ótimo show. O som do Conquistadores lembra o que o Vulcano seria se fosse uma banda de Heavy Metal, com instrumental mais tradicional e letras em português com um vocal mais cavernoso, algo característico de muitas bandas da cena nacional. Que tenham voltado para ficar.
Após cinco anos longe dos palcos, o Comando Nuclear, um dos nomes mais conhecidos da cena paulista de Heavy Metal, finalmente retornou para uma apresentação ao vivo. Iniciando seu set às 19h, começaram com “Unidos Pelo Metal”, do disco “Guerreiros da Noite” (2011), e o público já respondeu com energia, cantando cada palavra. Desde 2004, a banda conta com Ron Cygnus (vocal), Rodrigo Exciter (baixo) e Eric (guitarra), além de terem recrutado Anderson (guitarra) e Lucas (bateria). Visivelmente, eram uma das bandas mais aguardadas da noite, devido ao hiato que passaram, e os fãs foram recompensados com um show muito digno. Músicas como “Caçada Mortal aos Falsos” e “Sombras do Passado” fizeram a alegria da galera, que mostrou ansiedade em ver a banda novamente. Foi gratificante ver como o metal nacional está alcançando as novas gerações, revitalizando a cena sem perder suas raízes. Finalizando com a dobradinha “Ritual Satânico” e “Resistir”, o terreno já estava preparado para a atração principal da noite.
Às 20h45, finalmente, o Raven entrou em cena. Após uma introdução, e com um som ensurdecedor de tão alto, já iniciaram com “Destroy All Monsters”, do disco “ExtermiNation” (2022), de forma totalmente frenética. A adição de Mike Heller na bateria trouxe ainda mais energia para as músicas, com a banda flertando muito mais com o Speed Metal desde sua entrada. Após essa pedrada, foram para o outro extremo de sua discografia, voltando ao primeiro álbum com o clássico “Hell Patrol”, essa já mais conhecida do público. A banda aproveitou para elogiar o público paulista, mencionando que sempre foram recebidos de forma extremamente energética e agradecendo demais por estarem naquela noite junto com eles.
Na sequência, vieram algumas músicas mais recentes, como “The Power”, do “Metal City” (2020), que contou com um interessante duelo de solos entre guitarra e baixo, e uma dobradinha de seu último álbum, “All Hell’s Breaking Loose” (2023), com “Surf The Tsunami” (que, infelizmente, teve alguns problemas técnicos na guitarra antes da execução, mas John Gallagher contornou isso com humor) e “Turn of The Screw”, uma música que chega a ter até blast beats durante sua execução. Finalmente, tocaram uma do “All for One” (1983), começando pela faixa-título, com Mark e John brincando de mosqueteiros, fazendo alusão à capa do disco.
Mantendo a pegada, mais uma do “Rock Until You Drop” (1981), também a faixa-título, um clássico absoluto. Nesse momento, o público deu uma “acordada” maior, pois, como tocaram várias músicas mais recentes em sequência, era evidente o anseio por material mais antigo. A todo momento, John jogava o refrão para o público cantar junto, e este sempre respondia prontamente.
Para dar um respiro, Mark Gallagher fez um solo furioso de guitarra, que durou cerca de cinco minutos. Ele estava tão empolgado que, se deixassem, ficaria mais uns vinte minutos tranquilamente. Seus companheiros faziam caras e bocas, esperando ele encerrar sua “festinha”, mas essas notas rápidas prepararam os presentes para uma de suas faixas mais influentes: “Faster Than The Speed of Light”, do icônico “Wiped Out” (1982). Logo após, veio “Inquisitor”, uma ótima faixa do lado B do “All for One”. Agora foi a vez de John Gallagher fazer seu solo de baixo e, na sequência, emendar com “All Hell’s Breaking Loose”, faixa-título do último álbum.
A seguir, tocaram sua faixa mais conhecida, “On and On”, do divertido “Stay Hard”, muito por conta de seu peculiar videoclipe, amplamente divulgado na época. Virou uma festa, com todo mundo cantando junto. Ao final da música, a banda começou a agitar o público para a faixa seguinte. Mark jogou duas palhetas para o público (uma delas eu peguei), e veio outro clássico: “Break The Chain”, também do “All for One”, uma de suas melhores músicas, sem dúvida.
Ao contrário de todas as outras bandas da noite, apenas eles tocaram covers, fazendo um medley com trechos de bandas que influenciaram não apenas eles, mas a todos os presentes. Passearam por “Rock Bottom” (UFO), “Symptom of The Universe” e “Supernaut” (Black Sabbath), “Victim of Changes” (Judas Priest) e “Breadfan” (Budgie). Isso foi bem bacana, pois, estando na estrada há 50 anos, não esquecer das raízes é algo que fortalece o laço com a música. Eles mesmos exalavam felicidade ao executar músicas de seus ídolos.
Sem muita conversa, a banda emendou duas faixas antigas: “Seek and Destroy”, do “All for One”, e a clássica “Chain Saw”, do “Wiped Out”, encerrando o show. Foram ovacionados durante toda a apresentação, e no final não foi diferente. Mais uma vez, John reforçou que São Paulo é a capital do metal no Brasil e que, desde sua primeira vinda, em 2010, sempre são bem recebidos e gostam de vir para cá, pois o público realmente gosta de sua música.
Em uma noite totalmente dedicada ao Heavy Metal, o domingo foi uma verdadeira celebração ao estilo. Todas as bandas entregaram ótimas apresentações, o público correspondeu à altura, e foram coroados com uma excelente apresentação de um dos pilares do gênero que todos amamos. Vida longa ao Raven, e, como já diz o disco, dentro do metal deve ser “um por todos, e todos por um”, como foi vivido nesta noite.