Dawn Turbo – “SOTP” (EP) (2021)
Independente
#IndustrialRock, #IDM, #AlternativeMetal
Para fãs de: Nine Inch Nails, Prong, Helmet
Nota: 9,5
Você já sentiu “Cold Turkey” alguma vez? Este estado psíquico geralmente é experimentado por pessoas que se veem obrigadas a cortar abruptamente o uso de substâncias que causam dependência química e que já comprometeram severamente o sistema nervoso central do adicto, com consequências mentais e físicas extremamente dolorosas: calafrios, febre, vômitos, hiperventilação, sensação de constante mal estar e desespero, que, mesmo que durem apenas alguns dias, no calendário, cada segundo neste estado mental, para a psique humana, é calculada como uma eternidade. Nossa alma possui labirintos, que podem se tornar infinitos. Você já os percorreu, alguma vez? Ou prefere se manter em sua zona de conforto?
Como tornar este tipo de estado mental em música? Creio que não seja necessário o compositor ter passado por qualquer um desses traumas mentais na pele para reprisar, por meio de riffs, samples e vocais humanoides este tipo de batalha dentro de nós mesmos. Até mesmo porque em todos nós habita uma certa dose de loucura: resta saber o quanto você a controla ou é controlado por ela, ou, pior, se você nega esta condição humana, que é factual.
É esta a impressão que causa a audição de “Stop”, novo EP do Dawn Turbo, projeto solo do multi-instrumentista e compositor Julian Barg, que nos apresenta uma compilação de fragmentos sonoros eletrônicos riquíssimos, cuidadosamente mixados, como que planejados para colocar o ouvinte num estado de alma desconfortável, conduzindo-nos a uma experiência sinestésica única.
Experiência única porque, por se tratar de uma diatribe sobre doenças mentais entrecortadas por beats e melodias dissonantes orquestrados por um compositor experimentado em Industrial Metal e improvisação eletrônica, tornando cada música de “Stop” numa vivência que jamais será sentida da mesma maneira, da próxima vez que você a escutar.
Como toda confusão mental, a já mencionada “Cold Turkey”, ao lado de “Pink Lake”, “Plenexia”, “Leitmotif” e “Unexist” representam uma imersão em sensações complexas que, como estados alterados da mente, instauram-se, desconstroem-se e se vão, como num devir.
As batidas eletrônicas hipnóticas te levam a escutar as 5 músicas deste curto EP – que dura cerca de 20 minutos – no repeat, te induzindo a trilhar uma jornada tortuosa numa espiral descendente envolta por ritmos e frequências labirínticas, causando no ouvinte um proposital mal-estar: a cada repeat, a relação com as músicas altera-se, complexifica-se.
Ajuda muito neste tipo de transe musical a incômoda vocalização distorcida, que é quase não-humana, porque fundida às camadas de samples e intervenções de instrumentos musicais convencionais, que surgem de maneira inusitada, aqui e ali: as guitarras, por exemplo, estão presentes não apenas nas bases austeras e pré-programadas (“Plexonia”) – típicas do Industrial Metal – mas também em snippets de solos de guitarra estratificados e regados no wah-wah, como em “Unexist”.
Por vezes, em um emaranhado de conduções rítmicas caóticas, há um piano intervindo para somar à ambiência e trazer um pouco de beleza e estabilidade às composições, conferindo alívio no meio de um lapso de confusão mental, como em “Leitmotif”.
A leitura das letras é obrigatória para captar o conjunto da obra (no Spotify, aparece a letra, rolando a tela para baixo), uma vez que conduzem os questionamentos, de ordem existencialista, ao longo da trilha sonora caótica, como em “Unexist”, que, entre o ser e o não-ser, ilustra bem a intenção de Julian Barg em levar o ouvinte a imergir em sua autoconsciência, desafiando a percepção ilusória que temos sobre o limite de nossas próprias mentes. Os loucos são, geralmente, geniais.
No final das contas, após ouvir este EP incontáveis vezes, recomendo que as músicas de “Stop” sejam compreendidas como um todo de sentido, como uma experiência industrial-jazz eletrônico cheio de improvisações – estilo que alguns vão chamar de Intelligent Eletronic Music (para se opor à música eletrônica pop).
Wallace Magri